quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Desejo e transcendência

Aqui vai uma pequena divagação a partir da letra da música "Comida" dos Titãs
referência: ANTUNES, Arnaldo. et al. Comida. Intérprete: Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. WEA. 1987. 1CD. Faixa 8.

Desejo e transcendência

Eu concordo com a letra da música enquanto ela sugere que é preciso ir além. O confronto que ela faz sobre as necessidades básicas da vida humana com as necessidades secundárias ou mais “sublimes” sugere que o limite da nossa condição pode ser superado. Nós sabemos que um limite pode ser superado quando ele está ali, e quando a nossa curiosidade nos leva conhecê-lo, a investigá-lo.

Agora, no que a letra sugere sobre a superação do limite como transcendência, eu acho
que ela nos coloca diante de uma questão maior: é possível transcender o desejo?

A letra nos remete ao fato de que uma necessidade superada, isto é, satisfeita, nos deixa des-ocupados com uma necessidade e assim podemos nos pré-ocupar com outra necessidade a ser satisfeita. Nós, então, satisfazemos uma necessidade para que outra surja e possa também ser satisfeita. Isto é superação do limite. Mas, neste esquema, estamos presos a um outro limite: a constante satisfação das nossas necessidades. Isto é bom ou ruim? Acho que isto pode ser feito de modo bom ou ruim, mas é puramente como a vida é. Transcender este esquema ou modo de vida, modus vivendi, é uma questão implícita à letra.

Se entendermos transcendência como superação, estar além da condição atual, num plano ou nível superior, a letra não sugere que transcendemos o desejo, apenas que trocamos um desejo satisfeito por outro insatisfeito, o que pode projetar-se longamente até o instante final de nossas vidas. Deste modo, não transcendemos o desejo quando o satisfazemos. E se o fizermos, morremos. Isto porque a palavra transcender nos remete a um plano metafísico, onde o mundo concreto, físico, é um mero trampolim de reflexão. O que é curioso notar é que a nossa descoberta da transcendência, o plano do ser, passa justamente pelo mundo real e concreto, o mundo das necessidades. Então, se a letra sugere esta superação do desejo ela está certamente nos servindo como um trampolim de reflexão. Se ela não responde à pergunta “é possível transcender o desejo?”, ela nos remete a esta reflexão. E é aí que, com fome ou satisfeito, a gente transcende. É claro que dedicar-se ao pensamento de barriga vazia não é tarefa fácil, quiçá nem mesmo possível. As necessidades físicas, imanentes, são mais gritantes que as necessidades metafísicas, transcendentes.

Como poderíamos esperar um nível maior de leitura e de pensamento de quem está submerso no esquema frenético da satisfação das necessidades básicas da vida? A final de contas, “bebida é água, comida é pasto”, ler e pensar é transcender. Você transcende no quê?

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...