terça-feira, junho 19, 2012

Mineiro duas vezes

Dizem do caboclo ensimesmado
que seu olhar meio calado
não é muita presunção

Se mais escuta do que fala
olha mais do que se alcança ver
está ressabiado

E se é próprio do mineiro
assim desconfiar,
sou mineiro duas vezes

domingo, junho 17, 2012

terça-feira, junho 12, 2012

O Galo Socorro*


Foi numa tarde de chuva, dessas que a gente não se anima a sair de casa. Não tinha vento uivante, nem mesmo trovoadas estourando no céu.

Socorro gritava, como se fosse com seu último fôlego: pedia aos céus que Lua Cheia não fosse para a panela.
...

Era uma vez um galo. Até então um galo qualquer, sem nome, desses que se vê por aí, perambulando desconfiado e atento ao que se passa dos dois lados de seu bico. Morava num galinheiro de portas abertas. Tinha um teto para se proteger da chuva, e tinha um grande quintal para vagar livremente.

Levava tranquila sua vida de galo moço, não era frangote. Era já galo feito, mas ainda não era o maioral. No galinheiro onde morava, outro galo fazia as honras que manda a natureza. O galo moço cantava, mas era o segundo da fila do dia. Batia as asas junto com o galo do pedaço, mas ficava mudo diante do canto que despertava as bandas da vizinhança.

Certo dia, um agito rondava o galinheiro. Todas as galinhas cacarejavam afobadas, frenéticas, volteando o pescoço para todos os lados. Alguma coisa no ar não cheirava bem. As galinhas mais experientes amontoavam os pintainhos ao redor de si. As mais jovens, mesmo alvoroçadas, ciscavam aqui e ali, desnorteadas como sempre.

Vieram os donos do galinheiro, mas alheios ao frenesi das aves, jogaram o milho pelo chão, conferiram a água do galinheiro e voltaram aos seus afazeres do dia. Houve um alvoroço só, um misto de satisfação e desconfiança. Por alguns instantes era hora de festa. Mas, acabado o milho, o medo e agitação do desassossego voltaram. Foi assim pelo resto do dia.

Ao anoitecer, como acontecia sempre, cada um procurava o poleiro ou uma laranjeira onde passar a noite. Era uma noite enluarada de lua cheia. Mas aquele anoitecer não era o mesmo: um vulto preto se aproximava lentamente, sorrateiro pelo chão. Era o Gato Desespero, um intruso da vizinhança. Passara o dia no muro, ora dormindo, ora espreitando as galinhas, como se elas desfilassem para ele numa passarela.

De súbito, o Gato Desespero avança em disparada na direção de uma das galinhas. Começa uma gritaria só. O galo moço, num ímpeto que a natureza raramente brinda às aves, avança sobre o Gato Desespero e, com suas esporas não de todo pontiagudas, despacha o invasor com uma saraivada de bicadas e esporadas, para a sorte daquela galinha, prestes a ser abocanhada.

O alvoroço se desfaz. Mas o galo moço não será mais o mesmo. As outras galinhas do galinheiro se aproximam e começam a chamá-lo de Socorro, Galo Socorro, e à galinha salva por ele de Galinha Sorte Grande. Mas o herói da noite lha dá outro nome: Galinha Lua Cheia, pois não menos cheio que a lua daquela noite, estava seu coração diante de sua donzela salva do perigo.

Na madrugada do dia seguinte, uma nova rotina estava por começar no galinheiro: o Galo Socorro, agora, passa a cantar de galo. Ele já estava bem treinado neste ofício natural. Mas nesta manhã nascente, do alto do telhado do galinheiro, ele tinha os olhos fitos no horizonte, que se despedia da escuridão da noite, e na Galinha Lua Cheia, que lhe dava as boas-vindas ao seu coração.

Socorro e Lua Cheia começavam sua história de amor. Eram o mais novo casal do galinheiro. Tinham tudo para seguir felizes um ao lado do outro. Nem mesmo o Gato Desespero se atreveria a perturbar, no galinheiro, a paz das aves.

Mas outra tragédia estava por acontecer. Num dia frio, desses que amanhecem sob neblina, o Galo Socorro mal podia imaginar que seria seu canto a chave para abrir aquele dia de desgraça. Mal sabia ele que o dia estava perfeito para uma canja. O nevoeiro da manhã foi cedendo lugar à luz do sol, mas o frio era maior. E como se só isso não bastasse, a tarde foi mostrando algumas nuvens se amontoando no céu, como se fossem as galinhas mais velhas do galinheiro, amontoando-se para se aquecer mais. Mas as nuvens do céu se uniam por outro motivo.

E foi nesta tarde de chuva, dessas que a gente não se anima a sair de casa, que tudo aconteceu. Não tinha vento uivante, nem mesmo trovoadas estourando no céu. Os donos do galinheiro vieram. Traziam um punhado de milho nas mãos. E, pela ordem da natureza, a fome vencia o frio. As galinhas, que estavam amontoadas, partiram em disparada na direção daquela refeição fora de hora.

Foi então que Socorro viu Lua Cheia ser apanhada de surpresa. Não restava dúvida: ela seria a canja daquela noite. Socorro gritou, como se fosse com seu último fôlego: pediu aos céus que Lua Cheia não fosse para a panela. Investiu contra aqueles gigantes, mas suas esporas e bicadas não fizeram o mesmo efeito de outrora. Socorro lutou contra a morte de Lua Cheia, com unhas e dentes, poderíamos dizer... mas foi em vão.

A chuva fria daquele entardecer descarrega as nuvens do céu sobre a cabeça de Socorro. Lá em cima, o céu se abre para dar visão à noite enluarada que se aproxima. Mas o céu enluarado daquela noite se fecha sobre Socorro. Ele passa a noite toda cantando para a lua. Nenhuma galinha do galinheiro, nem mesmo os assassinos de sua amada, se atrevem a calar o seu grito. Tudo se cala.

Na manhã seguinte, Socorro não está sobre o telhado. Está acuado num canto do galinheiro. Não houve canto matinal. Uma outra rotina estava por começar: o Galo Socorro nunca mais cantaria nas manhãs do dia.

E ainda hoje, nas noites de lua cheia, ele canta com olhos voltados para os céus: pede que Lua Cheia não mingue em seu coração.

Adriano Lima
São Sebastião do Paraíso, 07 de novembro de 2009

*Texto base usado para a criação do musical "Lua Cheia - O Galo Socorro" - Adriano Lima e Tullio Costa

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