quarta-feira, novembro 26, 2014

segunda-feira, novembro 10, 2014

Apologia às cartas

Uma missiva sempre teve poder de mudar rumos.

Desrumados que estamos hoje, mal recordamos o poder transmutador do papel-carta, com as sopesadas palavras em tempo e distância.

Nossas cartas mais frequentes já nem cartas são. Contas, cupons, extratos, propagandas, folhetos, panfletos e aquelas folhinhas sem fim de mensagens religiosas para um mundo depois do fim. Missivistas e mensageiros do céu. Vamos pular a fazer das campanhas eleitorais. Não é de bom om falar do céu e, de imediato, falar do inferno.

Estou em trânsito, longe a passeio, viajando a trabalho, mudei-me para outro lugar. Espero que esta, desejo que estas linhas, escrevo-te esta, escrevo-te estas linhas. Saudade e beijo! Desejo e felicidade! Faz tempo que não te vejo! Volto em breve! Volte logo! Mande notícias!

Por que ainda existem cartas, mesmo poucas que são?

Por que encurtar as distâncias e diminuir o tempo entre remetente e destinatário ainda não suprem a necessidade das missivas de outrora?

"Beijo-vos no início da carta e não no fim, como de costume, por impaciência".
(MAIAKÓVSKI. Vida e poesia. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 188. - Carta a Lila e a Óssip Brik, Moscou, 25 de dezembro de 1917).

As cartas são para um beijo.
As cartas são para um abraço.
As cartas são para um encontro.

São esse pedaço de papel frugal
que carrega sentido, desejo e eternidade.

São degraus de uma escada,
os elos de uma corrente,
as plumas de asas que voam céus,
mas que também pisam terras.

Ainda abro, desejoso,
minha caixa de correio.

Espero receber teu beijo,
                        teu abraço,
                        encontrar-te uma vez mais.

terça-feira, novembro 04, 2014

A maldição do fauno

Após conhecer-te, fauno,
perdi o sentido da fantasia,
acabaram-me as ânsias
fortuitas e recorrentes da imaginação

Tua ausência,
recobrada na memória,
ocupa cada canto
de meu fatigado pensar

Entre as ruínas da recordação
queima enfraquecido
um fio de desejo
que dobres tuas natureza e vontade

Mas o que me resta
de razão e amor próprio
escancaram-me sem dó
o orgulho das criaturas míticas

Amaldiçoados, que estamos,
nos resta uma espera,
paradoxal e trágica,
pois é desejosa, sem desejo

Phaunos

I've met a faun once.
But at a glance,
in the blink of an eye,
he disappeared.

Havia o desejo da procura.

Até aqui havia também reciprocidade.

A espera, quarenta anos bíblicos, teve seu fim na casualidade de um clique.Um curtir, que os antigos talvez só possam entender como cultivar. Mas nós, hoje, não entenderíamos assim com tanta facilidade. Ainda transitamos, confusamente, entre curtir e cultuar.

Após este toque mútuo, uma sucessão de perguntas sinceras, despudoradas, radicais. Ânsias duplicadas em deixar claro os limites d'um encontro. Esta sucessão frenética de diálogos intensos seguiu-se por mais três dias. No quarto dia, confiados nos luzeiros da criação, ambos nos movemos sobre a terra na intenção de amiudar, até então, a distância entre nós.

A primeira troca de olhares. A primeira saudação. As primeiras palavras. As orientações para dirigir até o lugar apropriado. Estas ações todas tentaram amenizar o estranhamento ainda presente naquele momento. Fomos cedendo à presença um do outro, até estarmos entre quatro paredes silenciosas.

Tudo parecia ir bem, como se esperava que fosse, após planejamentos detalhados, acordos consensuais, desejos calculados e medidos, preocupação com o prazer do outro. Mas a circunstância do momento, a condição das primeiras vezes, nos colocaram no idílio de olhares e desejos assustados. Nem todo estranhamento havia sido desfeito. Sucedeu-se o fracasso. Vieram momentos de compreensão, uma poesia, uma música. Ah, endemoniadamente, os faunos cantam. Candura e singeleza misturados ao frêmito da última tentativa de prazer não efetivada. Este fauno me cantou em francês.

Então procedeu-se uma conversa de trivialidades. Na realidade, mais um monólogo, enquanto tentava aplacar a irrealização do conúbio idealizado, com carícias últimas e um silêncio ouvinte, enquanto o outro se desfazia em narrativas autorreferentes, entremeadas com bocejos sucessivos, quase metódicos, mas certamente mais sintomáticos que simbólicos.

E chegou-nos a hora de partir. Fomos nos recompondo, cada um à sua maneira, pois cada um devia recuperar a seu mundo. Compartilhamos ainda o transporte, os momentos finais de um regalo esperado e, por fim, voltamos ao mundo ausente de quatro paredes. Voltamos à multidão, sem sequer pensar numa multidão de lacunas que começavam a surgir entre nós, em nós.

Veio a hora do adeus. As promessas, agora, foram menores, mudas, quase inexistentes, pois o próprio adeus parecia, sozinho, ocupar todo espaço cada vez mais alargado entre nós. Nem mesmo o último ósculo fez diminuir esta distância, pelo contrário, ósculo contrário e reverso, divisor de corpos, de desejos, ampliador de espaços, quase ósculo da discórdia, mas, com certeza, ósculo da distanciação.

Primeiro na penumbra, depois na curva de uma esquina. Ele sumiu. Tentei olhar para trás, mas as sombras tornavam uno todo aquele passado. Só me restavam as certezas do encontro e da partida. As incertezas... melhor não enumerá-las.

He disappeared
like all the others do,
magically,
for hi is a faun.


Paraíso, 02-11-14

segunda-feira, novembro 03, 2014

Pharmaco-poética

Gosto de poesia.
Ajuda a quebrar
a dureza da realidade,
encurtar distâncias,
driblar as horas.

Paraíso, 20-10-14

Ao ler poemas

Rio sozinho
ao ler poemas
porque muitos deles
desfazem a solidão
de minha rotina hodierna

Paraíso, 20-10-14

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...