sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Paço da arte

 


Por onde ando e passo
por onde meu passo pisa
no chão onde risco a risa
na terra onde friso o aço

Um ladrilho ou estilhaço
onde a mente aterriza
transmuda e realiza
e à arte faz um paço

À sombra



À sombra da oliveira
uma beira para o caminhante

À sombra sossegada 
uma parada para o andarilho

À sombra derradeira
uma fileira de transeuntes

Há uma curva
entre o céu e o inferno

Fontes do amor



L'amour est dans la fontaine
amarrado à coluna do desejo
despojado das mazelas do mundo
olhando os tempos dos amantes
amar
desamar
e jamais esquecer

Outros caminhos



Encontrarei outros caminhos
farei outros contornos
darei outras voltas
até chegar.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Esta mancha



Nada é tão duro assim
que dure até o fim

A corrosão marca rumos
até que tudo vire humus

E o que é, agora se desmancha
passa desta a outra mancha

Escadaria



Escadaria
cada
ria

Escaleira
cale
ira

Escalada
es
calada

Escadaréu
es
cada
réu

Um degrau mais
um verso traz

Degraus

 


Este chão que vejo
é-me paço ao passo

O outro que vislumbro
é-me ensejo ao desejo

E assim a sucessão
é-me caminho ao ninho

Subir ou descer,
sempre

Parede

 


Parede
rede

Frágil
ágil

Pedaço
aço

Pedra
hedra

Tijolos
holos

Sobrepõe
põe

E a casa é pra nós

Escalada do tempo

 


Sucumbiu à escalada do tempo
aos degraus da existência

Cumpriu sua história única
existiu

E já é eternidade

Canto de sombra



Um canto de sombra
um descanso de ninguém
ou bem
de quase nenhum

Morada sossegada
de quem
a pegada
deixa rastro incomum

Um canto,
uma beirada,
uma pausa,
e o viajante segue seu rumo

Forma e reforma



Quando no tempo
a coisa se destrói
quando no vento
estilhaços voam

Junto cacos
mãos e cimento
refaço o traço
ergo monumentos

Estas marcas
de espaço
são únicas,
marcas de existência

Esta ausência
de sentido
conforma,
forma e reforma

Pedaço de chão


No caminho
por onde passo
um resto de caminho
sempre fica

Na beira do chão
há espaço
pra guardar
das pegadas a risca

Um caminho
é feito de pedaços
um após outro
infinitamente

A caminhada
feita de passos
completa a estrada
transitoriamente

Este chão
este pedaço

Mar de sobras



Um mar de sobras
restos esquecidos
quase banais

Traços das traças
passos da praça
caminhos que quero mais

O tempo
a tudo envelhece

Mas só não consegue
driblar a memória

Mesmo quem esquece
vive como prova da história

Do fundo do baú



Lá bem no fundo
onde a sombra sobra
lá onde ninguém 
visita todo dia

Está escondido
um tesouro
uma história
uma cria

Quem a tampa abre
tem que sondar
a imensidão

Neste baú
só não cabem
medo e hesitação

Roda do tempo

 

Roda no tempo
tempo que roda

Volta no vento
que canta a moda

Roda aos pedaços
que tuas voltas saciam

Marcas os passos
do solandante na via

Cicatrizes


Tempo revolto
tempo revolta

Romper de fibras
barreiras rompidas

Crescer é o limite
quando o novo
sabe de onde vem

Cicatrizes
são apenas coordenadas
do mapa desta história

Dádiva de phaunos

Deu-lhe a deusa
dois espelhos
com um, via o presente;
com outro, via o ausente.

Ofício divino?

É a poesia
um criar provocado pelo nada?
Quando o homem vê a physis
e lhe falta um sentido,
é o nada esta ausência,
e é a poesia este algo presente?

Dilema de Jesus na cruz de pau brasil

A política brasileira
é uma questão de calvário,
mas não há bom ladrão.

Cosmo-agonia

Deus cria do nada.
O nada é Deus.
Um nada com vontade.

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

O privilégio da saudade

Saudade é coisa de gente grande,
ou de quem já sabe que tem história,
memórias de um passado.

De onde vem a saudade?

Saudade é um fruto da memória.
Memória é um fruto da história.
História é um fruto do que fazemos.
O que fazemos é um fruto do tempo-espaço.
O tempo-espaço é um fruto da saudade,
da saudade do que éramos,
bem antes de ser o que somos.

Amantes irreais

Esse silêncio
essa ausência
que revelam de ti?
que escondes de mim?
o que me está tão escancarado à frente
que reluto não ver?
reluto não saber?
não crer?

Minha razão
anda de braços dados com o coração
ora o guia
ora o sufoca
e em todas estas voltas
teimo seguir adiante
puxado por aquela
ou por este

Não sei que me resta
de mim, a mim mesmo
de ti, em minha memória
um jogo de palavras
carinhos em verbos
diluídos num desejo
numa realidade ilusória

sábado, fevereiro 21, 2015

Pegadas

 

Tantos rastros deixados
como marcas de um passeio

Uma corrida ou uma volta
nada escapa ao registro da areia

Nem todos os caminhos
se encontraram

Talvez num acaso
tenham se cruzado

Só as marcas deixadas
contam a história

De tantos destinos
de tantas pegadas

Sombra pegada



Sombra pegada
apegada

Sombra deixada
a pegada

Sombra marcada
agachada

Sombra montada
a fachada

Sombra no caminho
este andante não para

Outro dia



Outro dia
acordava com os pés na areia

Outro dia
mirava a longura de tuas ondas

Outro dia
nem queria tomar café sem te ver

Outro dia
era o primeiro a te falar bom dia

Outro dia
minha tarefa era romper tua solidão

Outro dia
tive que fazer as malas e partir

Este dia
me recordo de ti

Pau e pedra



Pau que rola ladeira abaixo
na areia movida da praia

Pedra esculpida pelo riacho
que passeia nas curvas da serra

Nenhuma dureza resta intacta
gingando na força da natureza

Teus passos


Teus passos na areia
uma teia

Teus passos na estrada
uma parada

Teus passos no chão
uma confissão

Teus passos no caminho
um pedacinho

Teus passos pra mim
um jardim

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

Caminhos a mais



Não há caminhos banais
há sempre caminhos a mais

Errante numa ou noutra estrada
andante da vida inveterado

Mais um passo à próxima parada
o caminho só vale se caminhado

Que te quero doce




Doce que te quero doce
porque se amargo fosse
mais açúcar poria

Curva do tempo



Curva tempo,
só mais um pouquinho

Deixa meu amor
me dizer mais um carinho

Segura o destino, 
esse desalmado

E assim fiquem os amantes
para sempre lado a lado

Anjo Azul



Anjo Azul desgovernado
tem piedade

Não acabe o mundo agora
deixe só mais um bocado

Anjo Azul impiedoso
paciência co'essa raça

Deixe mais um dia
pro caçador se sentir caça

Anjo Azul sem coração
guarde esta trombeta

Ainda tem jeito com razão
de emendar este planeta

Mas se a palavra
for imperiosa

Anjo Azul
tenha cautela

Acabe o mundo
já sem prosa

Mas tenha coragem
de não fugir pela janela


Mar de pontos



Mar de pontos 
desavisados

Mar de pontos 
desencontrados

Caídos na planície
do chão

Esquecidos na velhice
da escuridão

Mar de pontos
guardados

Mar de pontos
marcados

Todo ponto
é uma história.

O passeio da sariema



Fim de tarde
casa vazia
caminho aberto

Um jardim
tranquilo
quase deserto

Um passeio
vespertino
entre os canteiros

Olhos atentos
sentidos
ligeiros

Não fosse
o passante
desavisado

Estava na hora
do meu passeio
marcado

Erva daninha



Erva daninha
aninha

Erva vizinha
definha

Erva daninha
ataca

Erva vizinha
empaca

Erva daninha
apodera

Erva vizinha
quimera

Erva daninha
o ceifador

Erva vizinha
o cuidador

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Rotina de tartaruga

 


Espia
companhia

Sol em cima 
quente

Água em baixo
fria

É bom que dá
pra gente

Inverter nossa
mania

Amanhã
será de novo

Outra noite
e outro dia

Vida de macaco



Desconfio
fio

Só reparo
paro

Desconheço
desço

Se me espanta
a anta

Pro meu galho
calho 

Vida de macaco
não é banana não!

Da arte do encontro

Encontros se marcam em dias de sol.
Assim não haverá tempestades
no meio do caminho.

Paraíso, 17-02-15

terça-feira, fevereiro 17, 2015

Desencontro marcado

Tinha uma chuva no meio do caminho.
No meio do caminho tinha uma chuva.

Nunca saberei a emoção daquele encontro.
Não saberei se haveria confusão ou contentamento em teu olhar.

Deixaste para trás a possibilidade de uma prosa.
Nunca saberei se por medo ou por saciedade.

Já havia andado mais do que todo o caminho.
Um passo só e nos teríamos presenciado.

Nunca saberei se a tenacidade de tuas palavras
se ajustam à sinceridade de teus olhos.

Pois, se outro encontro haverá,
não mais uma chuva será motivo de desistência.

Tua imagem arredia e tua ausência prenunciada
povoam as ideias que agora faço de ti.

Volto a meu canto.
Caminho sozinho.

Dissimulo tua imagem
entre fantasias e esquecimento.

Tinha uma chuva.
Ela lavou o caminho.

Maria da Fé, 16-02-15

terça-feira, fevereiro 10, 2015

A coisa à arte

 


pingo
ponto tonto

este
conto monto

mãos 
a obra cobra

nada
resta ou sobra

feito
já faz parte

esta 
coisa à arte

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Essa taça




nesta taça sua graça passa

sua lucidez afunda

a alegria abunda

nesta 
taça
o veneno

o álcool
não ameno

a loucura 
no terreno

essa taça mente repentinamente
e te faz flutuar de pés no chão

domingo, fevereiro 08, 2015

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

O braço da cadeira


O torno na madeira
o contorno
o veio da fibra
a sobra da fibra
o contorno

O torno
a volta da madeira
a sobra derradeira
o contorno da fibra
o torno que vibra
a volta certeira

O torno na madeira
o retorno
a cadeira

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...