quinta-feira, março 29, 2018


Mudar de postura [1]

O convencimento é uma razão à qual não se pode contraargumentar.

Esta razão dobra a vontade e nosso raciocínio se mesca a uma forma de crença numa certeza dada aparentemente a priori.

Digo aparentemente porque o enraizamento desta crença se mostra como convicção e, mesmo que o fato em questão tenha sido a causa do desencadeamento do raciocínio convicto, nossa impressão é de que desde sempre já estávamos convencidos desta maneira.



[1] Adriano Lima, São Sebastião do Paraíso, 16 de fevereiro de 2009.

Democracia greco-romana [1]

I - Brasil, este braseiro apagado

Lista, espera, uma fila sem fim. Mais gente vem, mais gente vai. Ninguém fica. O mundo segue uma labuta. A puta requebra na gorjeta do deputado. O senador acena a propina. O ministro retira o não vou mais trabalhar justamente, honestamente e mente sem parar assinando papéis, frequantando bordéis e negando migalhas de pão aos pássaros, aos gatos, aos pobres, dos cofres uma fonte que jorra sem parar o dinheiro de quem trabalha sem parar numa vida que vai parar um dia. Não falta nada ao resignado, falta tudo ao famigerado e o político ladrão da república montada na democracia aristocrática grega, que sobreviveu à revelia nesse Ocidente fraldado e mentiroso, mete a mão na coisa pública, na coisa privada e não sobra nada para quem o nada já seria alguma coisa de tudo o que não tem. Enquanto isso a tevê desfila os egos roliços e endinheirados matando a fome do desejo carnal dos olhos de controle remoto na mão. Apatia. Vegetal de ibope.


II - República democrática aristocrática

O governo de si para si, num país tão vasto de sobras, onde falta tudo para quem pouco tem, pois sempre falta algo a quem tudo ainda é muito pouco.

Nossos ladrões desfilam na tevê pública, na tevê aberta, nas ruas das capitais, nas suas cidades de origem e nos jatinhos que sobem e descem nos aeroportos particulares feitos com verbas públicas.

No país de todos, só alguns são proprietários. Não há mando ou demanda sem solução para quem tem o telefone certo, a gravação audível e o recibo bem assinado.

Seja que for, ministro, senador ou deputado, até o presidente dança nas cadeiras quando a música é delação.

O país é república.
A Constituição é democrática.
Mas o mando é aristocrático.


III - O touro, essa lei de capital

O país é república. A puta antropofágica nunca duvidaria disto. A república lhe deu esta condição. Sua reputação foi mais bem alcançada imitando os trejeitos de muitos homens e poucas mulheres eleitos. E de seus feitos, o que a puta colheu? Nada além das noites mal pagas, do cartão falsificado e do telefone que não existe mais. A puta, teimosa, permanece enganada, dorme hoje com o amargo do dia dançando em sua boca. À noite virá o extrato da memória e do hábito reiterado de mentir e deixar-se enganar. E ao final da jornada receberá da mão do cliente aquilo que lhe é de direito, mas que não lhe dá o jeito de ser o que ainda quer.

A Constiuição é democrática. O povo teme a lei do mesmo modo que alguns corredores espanhóis temem os touros limitados pelas ruas de Pamplona e a multidão que se aglomera entre gritos de prazer e compaixão. Quem põe o touro nas vielas não corre pelos ladrilhos e curvas temendo o chifre por um tris e desafiando a vida por uma cicatriz. A lei deve ser seguida por quem corre, não por quem faz correr. Este é o óbvio do corredor: ter a vida perseguida pela lei.

O corredor, esta puta do povo, abre as pernas o mais que pode. Corre com o sorriso de um susto estampado no rosto tentando estampar a felicidade até antes da morte chegar. Esta é a única chance que tem de dar uma regra ao jogo.

Mas o mando é aristocrático. E o que importa é o jeito mais prático de acumular capital. Touro saudável é lucrativo. Povo encurralado é faminto por diversão. Em Pamplona, o touro não corre todos os dias. Já na república, a lei persegue a todo momento, a cada estação.

Viver é este correr enquanto o povo não se re-volta e deixa de correr do touro para correr atrás da lei. Esse será o dia em que o povo tomará o mando e à puta, não se verá mais.




[1] Adriano Lima, São José dos Campos, 27 de julho de 2017.

A natureza das coisas breves


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