segunda-feira, junho 02, 2008

Decirte no

También me ha dolido a mí 
decirte no 

He descubierto 
en la ausencia de tus besos 
la paz que me brindaban 

Pero ya no podía ser más yo mismo 
al perderme en ti mientras me besabas 

Ay, qué si me perdiera a mí 
te vería aislarte en la solead 

¿Qué es el amante 
sin a quien poder amar? 

Me amaste más que a mí 
me he amado yo jamás 

Me ahogaste en tu amor 
y me vi incapaz de tapar los agujeros 
que te hiciste 

La infinidad de tu amor 
ha creado en mí un inmenso vacío 

Hoy, ante el espejo, 
me busco a mí 

Me digo desde mi dolor 
que, como a ti, 
también me ha dolido 
decirte no

Caminhos de fogo e água

Os caminhos ardiam em fogo. Chamas. Fumaça sufocante. Mesmo sob a precipitação das cinzas e daquele calor intenso, atravessamos aquelas estradas como quem seguia adiante para não arrepender-se de voltar atrás. A maquinação de nossos passos marcava o nosso rumo e, nossas pegadas, apagavam-se entre as palhas ainda em brasa, caídas pelo chão. Nossas crianças não choravam mais. Não sabíamos se suas lágrimas haviam secado, ou se a natureza lhes instruíra como conservar o líquido no organismo. Ah! Se a chuva caísse! Embora temêssemos que ela se evaporasse ainda no ar, por sobre aquelas labaredas, desejávamos que ela caísse. Mas somente nossas frontes cansadas gotejavam, numa salinidade ardente, em nossos olhos. Os nossos olhos ardiam em fogo. Mais além, no horizonte, o caminho se estreitava. Os mais lúcidos dentre nós não ousavam palavra alguma. Nossos passos cantavam mais alto na batida do chão, e nossos sentidos somente acreditavam naquela dureza debaixo de nossos pés. Seguíamos a marcha ardente, ardendo. A cada passo nosso fim ficava mais próximo. Já não tínhamos mais o sol com guia. E a escuridão por sobre nossas cabeças ou era noite, ou céu de cinzas pretas, palhas esvoaçantes, que nos tornavam pretos da cor do chão, que nos tornavam negros em marcha de procissão. Éramos andantes mascarados. Andantes marcados. Andantes ardentes naquele fogo. Mas, sobretudo, éramos tão somente andantes. Haveria fim àquela desgraça? Ao primeiro grito desesperado de socorro, nós paramos. Em círculos nos reunimos e revezávamos nossas costas às ardências do fogo. No centro dos círculos o calor humano da cura. Os mais necessitados recebiam socorro, recebiam olhares, toques de carinho, as últimas águas de nossos afetos. As lavaredas, curiosas, pareciam querer espreitar-nos e flamavam sobre nossos ares. Mas o cessar de nossa marcha parecia ter desenhado um outro ritmo no fogo. Como se o ar que deslocávamos com nossos corpos tivesse deixado de alimentar as chamas desde dentro. Vimos, então, o fogo acalmar-se. Vimos as cortinas de fumaça iniciarem seu cerco ao nosso cerco. Por alguns instantes ainda nos mantivemos em roda. Naquele momento ardíamos de felicidade ao ver o inferno se apagando tão gentilmente. Nossos corpos, agora, ardiam em felicidade. Enviamos três emissários a nossa frente, enquanto mantínhamos nossa pausa curadora. Esperávamos ver em que condições poderíamos seguir caminhando por entre aquelas cortinas de fumaça. Quando, para nossa surpresa, voltaram os emissários da última esperança e aplacaram nosso desespero de morte. Há poucos metros, um precipício estava à nossa espreita. Por entre os barrancos da encosta, o fogo não havia conseguido subsistir à rala vegetação. Mais abaixo, por entre pedras, um fio d’água corria nos limites da união do abismo. Mesmo que sem forças, aquela boa notícia nos enchia de ânimo para seguir nosso caminho abaixo. A caminhada seria funda, a cura nos aguaria desde aquelas profundidades. Começamos a arder desde dentro. E iniciamos nossa descida. Nossa caminhada, agora, era ladeada cada vez mais por imensas paredes de terra e pedra. Sentíamo-nos atraídos para baixo muito mais além do que a força da gravidade poderia agir sobre nossos corpos, carnes queimadas. Queimados e ardentes por fora, buscávamos aquela água com a única certeza de que um fio de esperança ainda resistira em nosso interior. E, como a lembrança do primeiro presente, do primeiro beijo, quebramos nossa pressa e nossa sede alucinante com a nossa entrega mansa àquela água. Sentimos que mais do que nós, ela mesmo nos necessitava, ela mesmo se fazia oferta para antes e além do que naquela realidade poderíamos necessitar. Água oblativa. Fomos agraciados com aquela generosidade que parecia ignorar nossa sequidão e acalmar-nos as feridas mansa e ternamente. Não mais víamos labaredas flamantes aos nossos lados. A cortina de fumaça, reticente, seguia seu curso. O céu escuro esta tão distante. As sombras de nossas faces se desfaziam sob as águas. Deixamos o inferno lá em cima para encontrar o paraíso naquelas profundezas. A partir dos mais ressequidos e tristes aos que de nós mostravam haver conservado um fôlego a mais de energia, começamos a cantar. Nos ecos de nossas fissuras, embebidos de um vigor ardente, cantávamos: Os caminhos fluíam em água. Ondas. Frescor revitalizante.

A casa dos sonhos

Encontramos as janelas abertas. Todas. Escancaradas. Fomos entrando logo, mesmo que ninguém viesse nos receber. Lá fora chovia. Chovíamos em raios e trovões. Lá fora ventava. Ventávamos em suspiros e calafrios. Lá fora fazia frio. Fazíamos frio em tremores e dentes rangidos. Na calada daquela noite, nem mesmo a escuridão daqueles cômodos lúgubres far-nos-iam desistir da empreita de cruzar aqueles umbrais desconhecidos. Não éramos ladrões, desde que nada desaparecesse após nossa presença. Não éramos convidados, desde que ninguém nos esperava ali. Éramos fugitivos. Fugitivos friorentos. Fugitivos assustados. Mas nada mais que fugitivos. Aos poucos fomos nos acostumando a ouvir somente o barulho de nossos passos. A cada clarão irrompido pela tempestade íamos conhecendo um metro a mais da casa. Éramos, agora, desbravadores do espaço alheio que, na ausência aparente de seus donos, ia cada vez mais se tornando nosso. Cessaram-se os raios e trovões. A chuva agora tomava um rumo mais sereno, embora insistisse na sua faina lavatória naquela região do globo. Sentíamo-nos quase que purgados, pois que de tão molhados que estávamos já sentíamos nossas peles mesclarem-se na umidade da roupa e um peso que, pouco a pouco, ia escorrendo-se no calado monólogo daquela noite. Já não tínhamos mais os clarões. Já não tínhamos mais o encharcamento da chuva. Já não tínhamos mais a ofegante palpitação de caça, embrenhada mato a dentro, em busca de um refúgio contra o caçador. Já não tínhamos mais medo. Já não tínhamos mais o desejo de nos esconder. Tínhamos, agora, que encontrar lugar de pouso. Tínhamos sono e sede de descansar. A chuva seguia fria, embora mais fina, a labutar do lado de fora da escuridão onde nos encontrávamos. Um soluço. Um riso. Um boa-noite. Alguém relembrou como os porcos-espinhos da estorinha fizeram para se abraçar e se esquentar do frio. Abraçamo-nos. Dormimos. E, ainda no entre-sono, podíamos vagar nas imagens aclaradas pelos trovões e nos sentimos mais seguros do lugar em que nos encontrávamos. Já não mais sonhávamos, feito a caça na sofreguidão em busca de um abrigo. Seguia-nos o silêncio daquela escuridão. Sequer ousamos planejar o dia de amanhã. Bastava-nos dormir e descansar. Ainda éramos fugitivos. Contudo, fugitivos encontrados a nós mesmos. Fugitivos intransitivos. Deveras sonhamos naquela noite. Mas não conseguíamos registrar s seqüências dos atos e passagens de nossas peripécias oníricas. Contentávamo-nos em sonhar. Já o calor de nossos corpos fazia-nos ignorar a umidade fria, límpida e purgativa de momentos anteriores. Em sonhos a vida no mundo lá fora se fazia baixo um sol envolvente. Não tínhamos clarões de chuva. Tínhamos uma claridade redundante que colava em nossas mentes todos os flashes da hora da chegada naquela casa. Em sonho percorríamos todos os ambientes como senhores daquele lugar. Agora não só as janelas encontravam-se abertas. Não fosse a necessidade da construção, também o teto se abriria a um só estalar de nossos sonhos poderosos. Portas e todos os rincões daquela habitação estavam abertos, iluminados e livres. Quase nos esquecíamos que somente sonhávamos. Naquele momento, jamais admitiríamos ter sido, mesmo em sonho, fugitivos. Éramos os seres mais convencidos de nossa própria liberdade. Dificilmente soletraríamos f-u-g-i-t-i-v-o-s. De fato, sonhávamos mais que dormíamos. Já não tínhamos mais a chuva com seus clarões. Agora uma claridade silenciosamente imensa nos mostrava que as janelas ainda estavam abertas. Aos poucos nos desentrelaçamos e nem mesmo tivemos vontade de dizer bom-dia. Das poucas tralhas que carregávamos fizemos uma vistoria ocular ligeira. E como não precisávamos nem mesmo atar os cadarços de nossos sapatos, estávamos prontos para seguir nossa jornada. Fizemos nosso caminho de entrada como saída. Cruzamos outra vez os mesmos umbrais que, agora, mais pareciam prolongamentos braçais que se despediam de nós com o mesmo calor da acolhida. Continuávamos fugitivos. Mas éramos fugitivos descansados. Éramos fugitivos sonhadores. E, como se pudéssemos haver estado na mente de cada outro que nos fazia ser nós, sabíamos que agora nos tornávamos perseguidores de nossos sonhos. Seguimos nosso caminho. Deixamos as janelas abertas. Todas. Escancaradas.

segunda-feira, maio 12, 2008

Persuasão Poética no poema “Autopsicografia” de Fernando Pessoa

A imaginação, fonte principal da poesia, é o reino do impossível hic et nunc, não do impossível em si. A imaginação, pelo contrário, existe porque existe o impossível.
Armindo Trevisan, Reflexões sobre a poesia. 1993, p. 6.

Resumo

O presente artigo analisa o poema “Autopsicografia” de Fernando Pessoa em comparação com a estrutura da seqüência discursiva na tentativa de demonstrar que a estética da poesia não é prejudicada quando o leitor tenta entender o poema a partir de sua intencionalidade persuasiva. Esta possibilidade reside no fato de que tanto o discurso persuasivo quanto o poema podem se servir de recursos comuns como a metáfora e a metonímia.

Palavras-chave: poesia, persuasão, seqüência discursiva, metáfora, metonímia.


Abstract
This paper analyses Fernando Pessoa’s poem “Autopsicografia” making an analogy between the poem’s structure and the discoursive sequence structure in order to show that the poetry aesthetics is not damaged if the reader tries to understand the poem from its persuasive intentionality. This possibility lies on the fact that even the persuasive speech as the poem can use the same recourses like metaphor and metonymy.

Key words: poetry, persuasion, discoursive sequence, metaphor, metonymy.

1 Introdução

1.1 Pode a poesia ser argumentativa ou persuasiva?

A linguagem poética pode, como todas as outras, percorrer as planícies dos três grandes modos organizacionais do discurso, já que estes modos não são autônomos, mas dominantes (CITELLI, 2003, p. 37). Nossa proposta foi analisar o poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, sem o receio de que esta análise pudesse desvirtuar o vigor caracteristicamente poético deste trabalho de Pessoa.

Vemos que entre os modos lúdico, polêmico e autoritário, o poema de Pessoa seria, predominantemente, um discurso lúdico, no qual o menor grau de persuasão não é em nada menos efetivo, pois a dinâmica estabelecida pelas figuras metafóricas e metonímicas favorece o “[...] jogo de interlocuções” (Ibidem, p.38) próprio do discurso lúdico.

Neste “jogo de interlocuções” percebemos, ainda, a ampliação do sentido na polissemia de algumas das palavras ao longo do poema, o que leva o leitor à “[...] poesia da descoberta; a aventura dos significados passa a ter o sabor do encontro de outros significados” (Ibidem).

O processo argumentativo será percebido nesta ampliação de horizonte de sentido na qual o eu lírico dialoga com o leitor sem as barreiras predispostas pela experiência do leitor, pois a estética da poesia é antes emoção e depois, razão. É a este processo persuasivo de convencimento, que passa antes pelo coração, que chamamos de persuasão poética. Antes de convencer o pensamento, a poesia quer convencer o sentimento:

A emoção caracteriza-se por sua natureza concreta: ou se sente amor, ou não se sente. Pode-se ter idéias nas quais não se acredita, mas não se pode ter emoções que não nos envolvam (TREVISAN, 1993, p. 21).

2 Desenvolvimento

2.1 A possibilidade de persuasão

Quando falamos em persuasão aceitamos que vigora a relação entre emissor e receptor, no eixo cujo objetivo é que um convença o outro de uma verdade. É o que afirma Citelli:

De certo modo, o ponto de vista do receptor é dirigido por um emissor que, mais ou menos oculto, e falando quase impessoalmente, constrói sob a sutil forma da negação uma afirmação cujo propósito é o de persuadir alguém acerca da verdade de outrem (CITELLI, 2003, p. 6).

A persuasão pode ser encontrada em diversas seqüências discursivas e cada uma delas irá se mostrar capaz de convencer no que lhe próprio. Mesmo a poesia persuade na arte das palavras e do no trabalho do sentido.

2.2 Os limites e meandros da persuasão poética

Citelli, 2003, diz “[...] que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao corpo” (Ibidem). Nesta imagem podemos entender que a embalagem do produto, concordando que o autor na sua análise sobre a propaganda e o slogan, é anterior ao produto na hora do convencimento da compra e, no caso das palavras, do convencimento pelo sentido. O autor diz que poucas “organizações discursivas” não são persuasivas, “[...] talvez a arte, algumas manifestações literárias, jogos verbais, um ou outro texto marcado pelo entendimento lúdico” (Ibidem). Mas quando ele comenta o percurso da retórica no século XIX, o autor critica o uso deste recurso como “[...] verniz do estilo” (Ididem, p. 15) e cita os parnasianos brasileiros. Nesta crítica vemos que o abuso do recurso persuasivo impediria a poesia de realizar seu papel.

Após sua crítica ao “vazio da retórica”, Citelli, 2003, apresenta o moderno robustecimento desta arte das palavras na releitura dos conceitos aristotélicos presentes na obra “A arte retórica” com um comentário de Valéry “[...] sobre o papel de primeira importância que desempenham em poesia ‘os fenômenos retóricos’ ”(DUBOIS[1] apud CITELLI, 2003, p. 17).

Entendemos que a poesia, então, está neste limiar entre ser persuasiva ou não, dada sua capacidade de condensação do sentido e, por isso, des-veladora e veladora do sublime.

2.3 Recursos persuasivos destacados no poema

Encontramos no poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, a evidenciação de alguns recursos retóricos que o tornam persuasivo. Nosso pressuposto é que de o primeiro requisito à dinâmica da persuasão, a relação emissor-receptor, foi cumprido na oferta que o poeta faz trazendo ao mundo, em palavras poéticas, uma verdade sua. Mas para persuadir não basta falar ou escrever. Pessoa articula algumas figuras como a metáfora e a metonímia para convencer seu leitor. Mesmo que a poesia se apresente, neste nosso exemplo, de modo mais abreviado que um discurso argumentativo, a extensão não é barreira à intencionalidade persuasiva. As figuras retóricas, assim sendo, vão cumprir “[...] a função de redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos novos e que sejam capazes de atrair a atenção do receptor” (CITELLI, 2003, pp. 19-20), independente dos limites espaciais do texto.

Antes da análise dos recursos persuasivos, vamos ao poema:


Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração. (PESSOA, 2008)


Na metonímia “fingidor” o termo contíguo “finge dor” quase escapa à “[...] relação objetiva entre o plano de base e o plano simbólico” (CITELLI, 2003, p. 21), não fosse a reiteração fonético-semântica presente nos três versos posteriores. As metonímias “o poeta” e “um fingidor” cumprem seu papel de “[...] aproximação entre cada um de nós” (Ibidem), o que estabelece, já no primeiro verso, um vínculo claro e objetivo entre o eu lírico e o leitor.

A condensação deste verso vai se desdobrar nos demais versos e, de forma circular, irá atestar a declaração inicial do título. Como o poema está em terceira pessoa, a despeito do intimismo do título, cada leitor pode experimentar a leitura com uma fala sobre si mesmo ou a partir de si mesmo, como se fosse o autor do poema.

Esta aproximação metonímica do eu lírico com o eu leitor vai se consolidar na transferência metafórica do termo “fingidor” presente nos quatro versos da segunda estrofe. Assim o termo “fingidor” é ambíguo, pois se metonimicamente se refere ao poeta tomando o artista por sua arte, metaforicamente o termo pode ser transposto ao leitor como fingidor da dor que não tem.

O poema ainda ganha ares de texto argumentativo se considerarmos as três etapas comumente usadas na descrição de uma dissertação. Estas etapas aparecem bem definidas ao longo das três estrofes, em comparação direta com a estrutura de uma dissertação.

No poema temos a seqüência de proposição no título e na primeira estrofe. Temos uma explicação na segunda estrofe e a conclusão na terceira. A título de compreensão propomos a apresentação esquemática abaixo:

Estrutura argumentativa:

A - proposição: título e primeira estrofe do poema;
B - explicação: segunda estrofe;
C - convencimento: terceira estrofe;

Estrutura dissertativa:

A - introdução: título (declaração inicial) e primeira estrofe do poema;
B - desenvolvimento: segunda estrofe;
C - conclusão: terceira estrofe;


Para finalizar nosso raciocínio de que o poema se configura ao modo de uma seqüência discursiva persuasiva, fazemos notar como a terceira estrofe se mostra como uma conclusão das estrofes anteriores. Já no início temos uma conjunção aditiva e uma conjunção conclusiva “E assim”, que podem ser descritas como “indicadores de conclusão” (CAMPEDELLI; SOUZA, 2000, p. 385), ou “operadores argumentativos” (KOCH, 2002, pp. 102-108), recursos próprios em seqüências discursivas que usam o argumento por raciocínio lógico.

Em seguida encontramos duas metáforas “calhas de roda” e “comboio de corda”. Elas, de um modo mais próximo ao universo do leitor, cumprem o papel de conduzir a opinião de quem lê à conclusão de que o coração pré-domina e entretém a razão quando se trata de sentir ou fingir a dor, quando se trata de ser ou não ser poeta.


4. Considerações finais

Nossa proposta era estabelecer um paralelo entre a estrutura do poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, com a estrutura de uma seqüência discursiva para mostrar como o poema poderia, sem fugir ao seu objetivo poético primeiro, ser entendido como uma ponte entre a vontade de expressão do eu lírico e a vontade de entendimento do eu leitor.

Vimos ser possível estreitar nosso horizonte de entendimento da mensagem poética, mesmo através de uma postura um tanto analítica, sem ferir a estética que é peculiar à poesia. A sugestiva aproximação que Pessoa faz entre aquele que escreve o poema e aquele que o lê, primeiro verso da primeira estrofe e quarto verso da segunda estrofe, é a ponte mesma entre o poeta e seu leitor.

A poesia, na possibilidade de ser entendida como seqüência discursiva, não está aí diante de nós para ser lida a partir da razão, mas a partir de uma razão entretida pelo coração.

5. Referências bibliográficas

CAMPEDELLI, Samira Yousseff.; SOUZA, Jésus Barbosa. Português: literatura, produção
de textos e gramática. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 15ª ed., São Paulo: Ática, 2003.

PESSOA, Fernando. Autopsicografia. Disponível em: www.releituras.com//fpessoa_psicografia.asp. Acesso em: 10 maio 2008.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

TREVISAN, Armindo. Reflexões sobre a poesia. Porto Alegre: InPress, 1993. Disponível
em: www.ufrgs.br/proin/versao_2/trevisan/index.html. Acesso em: 15 set. 2007.

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[1] DUBOIS, Jean et alii. Retórica geral. São Paulo : Cultrix, 1974, p. 15.

Nesta Terra de Quebra-em-nós-a-cruz

Todo esse fogo alastrado terá um efeito repetido   Deixará os ricos mais podres os pobres mais puídos   Pagaremos caro no mercado ganharão a...