Das diversas linguagens do amor, talvez o silêncio seja a mais paradoxal.
Alguns instantes de silêncio semeiam dúvidas, aceleram a imaginação sobretudo se os amantes estão separados fisicamente. Esses silêncios longínquos somente contribuem para aumentar o nível de cobrança, que começa por uma das partes, se torna recíproco e prenuncia a separação.
Alguns instantes de silêncio, mesmo que a distância, podem também ser sinal de quaisquer outras fatalidades, desde imprevistos à insegurança de reencontrar-se. De um extremo a outro, só o diálogo poderá esclarecer as lacunas desta ausência.
Alguns instantes de silêncio podem confirmar a sublimidade do encontro, podem somente significar que as palavras estão exauridas e a eloquência da presença, do contato, do olhar satisfaz qualquer necessidade de sentido.
Alguns instantes de silêncio podem abrir o baú do passado, desenterrar as recordações desencontradas e interditas, muitas vezes irrefletidas, que são o motor da dúvida. A imaginação tem força assustadora no silêncio e na solidão.
Podemos nos silenciar à presença de quem amamos, como confirmação de graça ou desgraça.
Mas quando nos silenciamos na ausência do ser amado, o tempo se encarrega de mudar esta distância, geradora de saudade, em um mar de insegurança que ensurdece o coração.
Treinar-se para o silêncio do amor parece ser uma tarefa tão contraditória como o próprio ato de amar.
Iludir-se na ausência silente do outro é um caminho que se faz só e que desemboca o coração angustiado nas torrentes das hipóteses mais contraditórias que possam haver.
A espera, ante o silêncio obstinado do outro ausente, só se cura também de forma paradoxal: é preciso silenciar-se desde dentro. Não se trata mais de intus legere, mas de intus audire. Silenciar os espasmos da dúvida, da insegurança, da imaginação, para ouvir as pulsações de um coração à espera.
E se este silêncio ajudar a ouvir que o outro não vem, que não se ouvem mais seus passos chegando porta a dentro, este mesmo silêncio trará lucidez para recomeçar um novo amor, seja este a si mesmo ou a outrem.
Tua ausência
me traz desassossego
teu silêncio
arranca de mim a direção
Sigo à tua espera
entre medo e desejo
driblo e sucumbo-me
às rédias da imaginação
Mas se a hora
de tua presença tarda
volto a escutar-me
antes de perder-me cada vez mais
A quem amamos,
quando amamos a alguém?
A quem escutamos,
quando não ouvimos a ninguém?
E se ainda espero
pode ser que não seja mais por teu retorno
espero minha hora
de recomeçar