I - Brasil, este braseiro
apagado
Lista,
espera, uma fila sem fim. Mais gente vem, mais gente vai. Ninguém fica. O mundo
segue uma labuta. A puta requebra na gorjeta do deputado. O senador acena a
propina. O ministro retira o não vou mais trabalhar justamente, honestamente e
mente sem parar assinando papéis, frequantando bordéis e negando migalhas de
pão aos pássaros, aos gatos, aos pobres, dos cofres uma fonte que jorra sem
parar o dinheiro de quem trabalha sem parar numa vida que vai parar um dia. Não
falta nada ao resignado, falta tudo ao famigerado e o político ladrão da
república montada na democracia aristocrática grega, que sobreviveu à revelia
nesse Ocidente fraldado e mentiroso, mete a mão na coisa pública, na coisa
privada e não sobra nada para quem o nada já seria alguma coisa de tudo o que
não tem. Enquanto isso a tevê desfila os egos roliços e endinheirados matando a
fome do desejo carnal dos olhos de controle remoto na mão. Apatia. Vegetal de
ibope.
II - República
democrática aristocrática
O
governo de si para si, num país tão vasto de sobras, onde falta tudo para quem
pouco tem, pois sempre falta algo a quem tudo ainda é muito pouco.
Nossos
ladrões desfilam na tevê pública, na tevê aberta, nas ruas das capitais, nas
suas cidades de origem e nos jatinhos que sobem e descem nos aeroportos
particulares feitos com verbas públicas.
No
país de todos, só alguns são proprietários. Não há mando ou demanda sem solução
para quem tem o telefone certo, a gravação audível e o recibo bem assinado.
Seja
que for, ministro, senador ou deputado, até o presidente dança nas cadeiras
quando a música é delação.
O
país é república.
A
Constituição é democrática.
Mas
o mando é aristocrático.
III - O touro, essa lei de
capital
O
país é república. A puta antropofágica nunca duvidaria disto. A república lhe
deu esta condição. Sua reputação foi mais bem alcançada imitando os trejeitos
de muitos homens e poucas mulheres eleitos. E de seus feitos, o que a puta
colheu? Nada além das noites mal pagas, do cartão falsificado e do telefone que
não existe mais. A puta, teimosa, permanece enganada, dorme hoje com o amargo
do dia dançando em sua boca. À noite virá o extrato da memória e do hábito
reiterado de mentir e deixar-se enganar. E ao final da jornada receberá da mão
do cliente aquilo que lhe é de direito, mas que não lhe dá o jeito de ser o que
ainda quer.
A
Constiuição é democrática. O povo teme a lei do mesmo modo que alguns
corredores espanhóis temem os touros limitados pelas ruas de Pamplona e a
multidão que se aglomera entre gritos de prazer e compaixão. Quem põe o touro
nas vielas não corre pelos ladrilhos e curvas temendo o chifre por um tris e
desafiando a vida por uma cicatriz. A lei deve ser seguida por quem corre, não
por quem faz correr. Este é o óbvio do corredor: ter a vida perseguida pela
lei.
O
corredor, esta puta do povo, abre as pernas o mais que pode. Corre com o
sorriso de um susto estampado no rosto tentando estampar a felicidade até antes
da morte chegar. Esta é a única chance que tem de dar uma regra ao jogo.
Mas
o mando é aristocrático. E o que importa é o jeito mais prático de acumular
capital. Touro saudável é lucrativo. Povo encurralado é faminto por diversão.
Em Pamplona, o touro não corre todos os dias. Já na república, a lei persegue a
todo momento, a cada estação.
Viver
é este correr enquanto o povo não se re-volta e deixa de correr do touro para
correr atrás da lei. Esse será o dia em que o povo tomará o mando e à puta, não
se verá mais.