sexta-feira, novembro 16, 2007

O gosto pela arte

O gosto pela arte: exposição na Academia Paraisense de Cultura

Boa noite a todos! Desde já agradeço a gentileza do convite para participar deste momento e partilhar da companhia agradável de todos.

Gostaria de partilhar, brevemente, um pouco de minha percepção sobre qual a relação das pessoas com a arte. Esta reflexão é resultado de uma pergunta feita a mim mesmo: o que é o gosto pela arte?

Muitas vezes o gosto pela arte está condicionado a uma experiência familiar, que acompanha o indivíduo desde a infância, ou a uma habilidade própria que, após ser descoberta ou inculcada, se desenvolve com o treino e a repetição. O não interesse pela arte, ou o “des-gosto”, pode surgir quando um destes dois fatores não existe na história de determinada pessoa, ou pelo simples fato do não-domínio de uma linguagem que permita a interpretação e, por conseguinte, o entendimento daquilo que está posto em questão como arte.

O que é a arte?

Quando nos fazemos esta pergunta, as imagens da erudição e do clássico em quaisquer formas de expressão da arte podem nos ajudar a começar a responder esta pergunta. É fácil também recorrer à estimulação dos sentidos na busca do entendimento do que é arte. O argumento da estética surge como uma tentativa mais elaborada e ampla, levando-nos a entender que a arte é a busca do belo, da perfeição.

Também podemos entender a arte a partir de determinadas funções às quais ela se presta. A utilidade pode ser um fator a ser considerado na gradação e na distinção do que pode ou não ser arte. O uso do objeto de arte é portador do requinte que eleva o ambiente e aquele que nele está.

A arte pode ainda ser vista a partir de sua função social, da sua capacidade de reunir pessoas, organizar e dinamizar objetivos pessoais e de grupo. Ela pode servir de ferramenta de luta e reivindicação, fundamentando o desejo do grupo de expressar-se, manifestar-se.

Outra função da arte, que pode ajudar-nos a entendê-la, é a de criadora de sentido. Na tarefa do conhecimento humano, a arte pode surgir como instância criadora de sentido que é capaz de deitar diante de nós inúmeras possibilidades de sentir e pensar a realidade. Através da arte e com a arte o intelecto humano quebra as barreiras reais ou imaginárias entre razão e sentimento e descobre que tudo se canta, que tudo se pinta, que tudo pode ser esculpido, que tudo se toca, que tudo se rima.

Mas como se dá nossa relação com a arte?

A arte pode ser ensinada, ser descoberta ou ela simplesmente se desperta e se manifesta ao homem? Tenho a impressão de que ao tentar responder uma ou cada uma destas perguntas, nós já estaríamos demonstrando, ao mesmo tempo, o que nós entendemos por arte.

Ela pode ser ensinada, num primeiro momento, quando é algo de concreto, perceptível às nossas sensações e descrito entre códigos, métodos e técnicas. Pode ser ensinada, em outro momento, mesmo se não é de imediato algo concreto e perceptível aos sentidos, mas à razão.

A arte pode ser descoberta pela iniciativa da curiosidade humana diante de um acaso qualquer. O contato com a obra de um clássico ou com o talhar preciso e concentrado de um artesão pode servir de guia para uma relação entre criador e criatura que jamais terá fim.

E o gosto pela arte?

Penso que o gosto pela arte pode nascer quando nos colocamos a tarefa do conhecimento, do fazer e da apreciação.

Nossos jovens e crianças, nós mesmos, podemos passar a gostar de arte quando nos debruçamos no seu estudo como meio de entendimento e diálogo com aquilo que a arte é. O fazer arte nos coloca em contato com o criador adormecido que há dentro de nós. Este fazer, que pode ser de produção ou re-produção, é sempre possibilidade de criar. A apreciação é a tarefa que pode selar nossa relação com a arte. É na contemplação da obra que o artista se manifesta.

Adriano Lima - 05-04-06, outono paraisense

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Desejo e transcendência

Aqui vai uma pequena divagação a partir da letra da música "Comida" dos Titãs
referência: ANTUNES, Arnaldo. et al. Comida. Intérprete: Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. WEA. 1987. 1CD. Faixa 8.

Desejo e transcendência

Eu concordo com a letra da música enquanto ela sugere que é preciso ir além. O confronto que ela faz sobre as necessidades básicas da vida humana com as necessidades secundárias ou mais “sublimes” sugere que o limite da nossa condição pode ser superado. Nós sabemos que um limite pode ser superado quando ele está ali, e quando a nossa curiosidade nos leva conhecê-lo, a investigá-lo.

Agora, no que a letra sugere sobre a superação do limite como transcendência, eu acho
que ela nos coloca diante de uma questão maior: é possível transcender o desejo?

A letra nos remete ao fato de que uma necessidade superada, isto é, satisfeita, nos deixa des-ocupados com uma necessidade e assim podemos nos pré-ocupar com outra necessidade a ser satisfeita. Nós, então, satisfazemos uma necessidade para que outra surja e possa também ser satisfeita. Isto é superação do limite. Mas, neste esquema, estamos presos a um outro limite: a constante satisfação das nossas necessidades. Isto é bom ou ruim? Acho que isto pode ser feito de modo bom ou ruim, mas é puramente como a vida é. Transcender este esquema ou modo de vida, modus vivendi, é uma questão implícita à letra.

Se entendermos transcendência como superação, estar além da condição atual, num plano ou nível superior, a letra não sugere que transcendemos o desejo, apenas que trocamos um desejo satisfeito por outro insatisfeito, o que pode projetar-se longamente até o instante final de nossas vidas. Deste modo, não transcendemos o desejo quando o satisfazemos. E se o fizermos, morremos. Isto porque a palavra transcender nos remete a um plano metafísico, onde o mundo concreto, físico, é um mero trampolim de reflexão. O que é curioso notar é que a nossa descoberta da transcendência, o plano do ser, passa justamente pelo mundo real e concreto, o mundo das necessidades. Então, se a letra sugere esta superação do desejo ela está certamente nos servindo como um trampolim de reflexão. Se ela não responde à pergunta “é possível transcender o desejo?”, ela nos remete a esta reflexão. E é aí que, com fome ou satisfeito, a gente transcende. É claro que dedicar-se ao pensamento de barriga vazia não é tarefa fácil, quiçá nem mesmo possível. As necessidades físicas, imanentes, são mais gritantes que as necessidades metafísicas, transcendentes.

Como poderíamos esperar um nível maior de leitura e de pensamento de quem está submerso no esquema frenético da satisfação das necessidades básicas da vida? A final de contas, “bebida é água, comida é pasto”, ler e pensar é transcender. Você transcende no quê?

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...