sexta-feira, novembro 26, 2010

De sonhos e pedras

Sonhos não são pedras 
sonhos são a ligadura entre as pedras 

Por entre elas, eles se constroem 
por causa deles, elas se sobrepõem 

Sonhos não são pedras 
porque são mais duros de sonhar 

Sonhos não são pedras 
porque são mais leves de carregar 

Sonhos são a ligadura entre as pedras 
porque explicam sua junção 

Sonhos são a ligadura entre as pedras 
porque justificam sua ordenação 

Por entre elas, eles se constroem 
porque elas lhes dão sustentação 

Por entre elas, eles se constroem 
porque elas lhes dão justificação 

Por causa deles, elas se sobrepõem 
porque eles movem o mundo 

Por causa deles, elas se sobrepõem 
porque eles são mais profundos 

Sonhos não são pedras 
os sonhos e as pedras 
partilham esta missão absurda 
de concretizar nossos mistérios

sábado, novembro 20, 2010

Pedras recolhidas

Catei-as pelo caminho 
atei-as ao meu rumo, 
teias na bússola de meu destino 

Algumas ainda carregam 
as digitais de seus atiradores 
outras se escorregam 
na repetição de alguns horrores 

Pude construir muito com elas 
juntando-as com os restos da destruição 
nada mais me sobraria 
se os destroços não fossem renovação 

Tantas outras foram deixadas 
à margem, pelo caminho 
ao ver minhas forças esgotadas 
não me vi escolher andar sozinho 

E nesta alameda revisitada 
à sombra das árvores que se curvam 
chamo pelo nome cada pedra assentada 
pedras recolhidas pelo caminho

A última pedra do dia

Hoje refiz as contas 
dos anos passados 
retirei da poeira 
os álbuns da infância 
as anotações da adolescência 
os recortes da juventude 
os contratos da maturidade 

Sobrou-me uma gaveta vazia 
como há tempos não a via 
não havia tempos como agora, 
faxinas da senilidade 

Passou-me, o dia, 
como a água que move a mó 
inveterada em seu leito, 
mesclada ao som da roda d'água 

Tive prazeres de reencherem os olhos 
desafetos de franzir-me o rosto 

E agora, antes de dormir, 
recoloco a pedra do esquecimento 
para repousar a memória

A lápide

A frase é terna 
algumas vezes, lânguida 

O registro acompanha a dureza 
o evento é duro 
o tempo é duro 
a certeza é duradoura 

Resta nas palavras 
um consolo 
uma cantilena 
aos nossos momentos de solidão 

Aqui jaz 
quem não mais faz 
o que lhe compraz 

Morrer é este abandono?

A construção

Uma após a outra,
postas em linha reta
ângulos frios, calculados
a fundação

Arrancadas da terra,
cozimento em formas,
nova sobreposição
as paredes

Armação, estrutura, cimento
sombra, teto, outro piso?
telhas, telhado
a cobertura

A obra fetia
sólida compostura
casa,
outrora refúgio na pedra

O cortejo

Trazia uma pedra na mão 
nos olhos, o furor da turba ensandecida 
a passos lentos e pesados, 
de fazer estremecer o chão do estômago, 
a turba vinha 

Do outro lado da reta 
a vítima temia piscar os olhos 
era preciso ver o fim para, ao menos, 
saber do que ela iria morrer 

Não restava outra chance 
não haveria último desejo ou apelação 
à primeira pedra lançada 
deu-se a construção 
da lápide 
do jazigo 
fim do funeral

A pedra

Desconforme dura e imóvel 
em meu caminho mais que uma, 
pois uma só não a perceberia 
pedras, então, é só o que pede a memória 
afinal de contas só me lembro 
do que se me repete

Cada guerra

Cada guerra consigo enterra uma lógica de funcionamento Com a arma mais potente vem a verdade mais forte Cada morte é uma moeda com dois lad...