domingo, junho 21, 2015

Aprendiz de Phauno

Fauns lie so well
as if there were no heaven nor hell
and to master what they say
you just believe, even if you don't pray

Até mesmo os faunos devem aprender quem são.

Entre tantas habilidades distintivas, há uma que lhes é muito cara, pois é a mas difícil de ser aprendida: mentir. Tanto é assim que o aprendizado deles começa com ela, e ao mesmo tempo enquanto aprendem as outras, vão se aperfeiçoando, até terminarem seu treinamento com o teste final: a mentira. Assim é que eles se tornam quem são.

O primeiro contato pareceu surpreendente. O brilho dos olhos verdes, cintilando sobre a barba ruiva, compunham uma chancela convidativa, quase irresistível, não fosse o sorriso entreaberto, lançando a última isca à presa desavisada, embora pretensiosa.

Desde então, as conversas se sucederam, apesar do estranhamento de uma mentira branda, bobinha, quase irrelevante, não fosse o tempo sopesá-la na conversação. Uma mentira branda parece ser inofensiva, diante de uma sucessão de charmes e risos ao longo de trocas gentis e acaloradas de desejos mútuos.

A promessa.

O encontro marcado.

A consumação.

E após o ato, o fato vai se manifestando entre uma distância tríplice: tempo, espaço e imaginação. É neste momento que os faunos sucumbem. É nesta hora que os encantos do charme deixam de inebriar a presa e a branda mentira, do primeiro contato, vai ganhando outras dimensões. A única chance de escapar é se a presa for capaz de perceber que até mesmo o próprio fauno, por mentir tão bem, acredita em sua própria mentira.

Aqui se dá a perda do nexo.

A presa passa a brincar com o predador. E quando ela se cansa, nem mesmo diz adeus. É melhor não despedir-se dos faunos. Isto lhes faria acreditar que representam algo e lhes daria forças para investir numa outra promessa, num outro encontro. Uma mentira a mais.

Deixar partir.

Esquecer, ao menos, do ato de estabelecer contato. Esquecer no tempo e no espaço. Embora nunca na imaginação. É somente esta memória que mantém os faunos como criaturas que são; bem como alerta a presa na lembrança da enganação.

A repetição pode ser eterna. Mas é sempre uma escolha.

Mentira após mentira. Sina dos faunos.

Ao teste final, o aprendiz ganha dois espelhos. Como usá-los é o que terminará por definir quem os faunos são, sobretudo, a si mesmos.


The Goddess, smiling,
gave him two mirrors
in one of them, he could see the present
in the other, he could see the absence

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