segunda-feira, novembro 25, 2019

Da língua I

A língua é um quebra-cabeça
cujas peças têm múltiplos encaixes,
e as combinações, não necessariamente,
formam uma figura nítida.

Meio cansada
meia cansada

Menos feia
menas feia

Poderei estar-me vindo
poder-me-ia estar vindo


São José dos Campos, 21 de novembro de 2019

Da língua II

Tem dias que me faltam todas as línguas.
Sinto falta de sons jamais ouvidos,
sons que dançam na língua tresloucada
entre o céu e o chão da boca.

Quero aprender todas as línguas,
ouvir uma de cada vez,
falá-las,
todas,
e ainda invetar outras mais.


São José dos Campos, 22 de novembro de 2019

quarta-feira, novembro 13, 2019

O burro, a ignorância e a cultura

Há o poder burro,
há o poder do burro
e há o burro no poder.

O poder burro
nasce da ignorância cultivada.

O poder do burro
nasce dos ignorantes que o cultuam.

O burro no poder
nasce da cultura da ignorância.

Qualquer burrice
é problema de cultura.

Qualquer ignorância
é falta de cultura.

Qualquer saída
passa pela cultura.


São José dos Campos, 12 de novembro de 2019

sábado, julho 06, 2019

terça-feira, janeiro 08, 2019

Azul e rosa

Meninos vestem azul
e meninas vestem rosa

Há meninos e meninas
que vestem a própria pele
de sua própria cultura
da ausência de roupas que a cubram

Há meninos e meninas
que não vestem rosa e azul
porque não têm cores no guarda-roupa
porque não têm roupas para escolher

Há meninos e meninas
que não vestem cores
vestem a mesma roupa
dias e semanas seguidos

Há meninos e meninas
como há rosa e azul
como há ideologias
e uma moral pisando suas cabeças

Há meninos e meninas
sem cores
sem propagandas
sem partidos

Azul e rosa
e outras merdas
vestem só ideologias


São José dos Campos, 07 de janeiro de 2019

quinta-feira, março 29, 2018


Mudar de postura [1]

O convencimento é uma razão à qual não se pode contraargumentar.

Esta razão dobra a vontade e nosso raciocínio se mesca a uma forma de crença numa certeza dada aparentemente a priori.

Digo aparentemente porque o enraizamento desta crença se mostra como convicção e, mesmo que o fato em questão tenha sido a causa do desencadeamento do raciocínio convicto, nossa impressão é de que desde sempre já estávamos convencidos desta maneira.



[1] Adriano Lima, São Sebastião do Paraíso, 16 de fevereiro de 2009.

Democracia greco-romana [1]

I - Brasil, este braseiro apagado

Lista, espera, uma fila sem fim. Mais gente vem, mais gente vai. Ninguém fica. O mundo segue uma labuta. A puta requebra na gorjeta do deputado. O senador acena a propina. O ministro retira o não vou mais trabalhar justamente, honestamente e mente sem parar assinando papéis, frequantando bordéis e negando migalhas de pão aos pássaros, aos gatos, aos pobres, dos cofres uma fonte que jorra sem parar o dinheiro de quem trabalha sem parar numa vida que vai parar um dia. Não falta nada ao resignado, falta tudo ao famigerado e o político ladrão da república montada na democracia aristocrática grega, que sobreviveu à revelia nesse Ocidente fraldado e mentiroso, mete a mão na coisa pública, na coisa privada e não sobra nada para quem o nada já seria alguma coisa de tudo o que não tem. Enquanto isso a tevê desfila os egos roliços e endinheirados matando a fome do desejo carnal dos olhos de controle remoto na mão. Apatia. Vegetal de ibope.


II - República democrática aristocrática

O governo de si para si, num país tão vasto de sobras, onde falta tudo para quem pouco tem, pois sempre falta algo a quem tudo ainda é muito pouco.

Nossos ladrões desfilam na tevê pública, na tevê aberta, nas ruas das capitais, nas suas cidades de origem e nos jatinhos que sobem e descem nos aeroportos particulares feitos com verbas públicas.

No país de todos, só alguns são proprietários. Não há mando ou demanda sem solução para quem tem o telefone certo, a gravação audível e o recibo bem assinado.

Seja que for, ministro, senador ou deputado, até o presidente dança nas cadeiras quando a música é delação.

O país é república.
A Constituição é democrática.
Mas o mando é aristocrático.


III - O touro, essa lei de capital

O país é república. A puta antropofágica nunca duvidaria disto. A república lhe deu esta condição. Sua reputação foi mais bem alcançada imitando os trejeitos de muitos homens e poucas mulheres eleitos. E de seus feitos, o que a puta colheu? Nada além das noites mal pagas, do cartão falsificado e do telefone que não existe mais. A puta, teimosa, permanece enganada, dorme hoje com o amargo do dia dançando em sua boca. À noite virá o extrato da memória e do hábito reiterado de mentir e deixar-se enganar. E ao final da jornada receberá da mão do cliente aquilo que lhe é de direito, mas que não lhe dá o jeito de ser o que ainda quer.

A Constiuição é democrática. O povo teme a lei do mesmo modo que alguns corredores espanhóis temem os touros limitados pelas ruas de Pamplona e a multidão que se aglomera entre gritos de prazer e compaixão. Quem põe o touro nas vielas não corre pelos ladrilhos e curvas temendo o chifre por um tris e desafiando a vida por uma cicatriz. A lei deve ser seguida por quem corre, não por quem faz correr. Este é o óbvio do corredor: ter a vida perseguida pela lei.

O corredor, esta puta do povo, abre as pernas o mais que pode. Corre com o sorriso de um susto estampado no rosto tentando estampar a felicidade até antes da morte chegar. Esta é a única chance que tem de dar uma regra ao jogo.

Mas o mando é aristocrático. E o que importa é o jeito mais prático de acumular capital. Touro saudável é lucrativo. Povo encurralado é faminto por diversão. Em Pamplona, o touro não corre todos os dias. Já na república, a lei persegue a todo momento, a cada estação.

Viver é este correr enquanto o povo não se re-volta e deixa de correr do touro para correr atrás da lei. Esse será o dia em que o povo tomará o mando e à puta, não se verá mais.




[1] Adriano Lima, São José dos Campos, 27 de julho de 2017.

Nesta Terra de Quebra-em-nós-a-cruz

Todo esse fogo alastrado terá um efeito repetido   Deixará os ricos mais podres os pobres mais puídos   Pagaremos caro no mercado ganharão a...