segunda-feira, novembro 10, 2014

Apologia às cartas

Uma missiva sempre teve poder de mudar rumos.

Desrumados que estamos hoje, mal recordamos o poder transmutador do papel-carta, com as sopesadas palavras em tempo e distância.

Nossas cartas mais frequentes já nem cartas são. Contas, cupons, extratos, propagandas, folhetos, panfletos e aquelas folhinhas sem fim de mensagens religiosas para um mundo depois do fim. Missivistas e mensageiros do céu. Vamos pular a fazer das campanhas eleitorais. Não é de bom om falar do céu e, de imediato, falar do inferno.

Estou em trânsito, longe a passeio, viajando a trabalho, mudei-me para outro lugar. Espero que esta, desejo que estas linhas, escrevo-te esta, escrevo-te estas linhas. Saudade e beijo! Desejo e felicidade! Faz tempo que não te vejo! Volto em breve! Volte logo! Mande notícias!

Por que ainda existem cartas, mesmo poucas que são?

Por que encurtar as distâncias e diminuir o tempo entre remetente e destinatário ainda não suprem a necessidade das missivas de outrora?

"Beijo-vos no início da carta e não no fim, como de costume, por impaciência".
(MAIAKÓVSKI. Vida e poesia. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 188. - Carta a Lila e a Óssip Brik, Moscou, 25 de dezembro de 1917).

As cartas são para um beijo.
As cartas são para um abraço.
As cartas são para um encontro.

São esse pedaço de papel frugal
que carrega sentido, desejo e eternidade.

São degraus de uma escada,
os elos de uma corrente,
as plumas de asas que voam céus,
mas que também pisam terras.

Ainda abro, desejoso,
minha caixa de correio.

Espero receber teu beijo,
                        teu abraço,
                        encontrar-te uma vez mais.

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