quarta-feira, março 25, 2015

Um olhar sobre "A Mulher do Balseiro" de Linah Biasi

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Volta para tua casa, balseiro!
Volta para tua vida.
Volta para a vida de tua vida.
Há corações à tua espera!
Volta para os teus!
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“A Mulher do Balseiro” é um quadro da artista Linah Biasi feito em 1978. Se trata de um óleo sobre tela, de 40x30cm, que retrata uma mulher grávida, com uma criança no colo, rodeada por outras crianças.

Esta é a obra-prima de Linah Biasi. Nela podemos perceber o interesse pelo figurativismo que, ao longo das andanças temáticas da artista, foi se configurando como sua especialidade e gosto particular.

Esta foi uma imagem captada pelo olhar da pintora à beira do Lago de Furnas, onde se faz a travessia em balsa para Delfinópolis.

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A paisagem





A encosta do lago sugere boa estação. O campo verde e a brisa que movimenta os cabelos indicam o frescor do dia. A mãe passeia com os filhos. A mulher beira o lago, de onde o marido extrai o sustento da família. O lago no oferece ondas agitadas, mas uma calmaria por onde plaina o labor do marido ausente.

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Um semblante, um gesto




Os olhos da mãe repousam sobre as crianças a seus pés, acompanhados de um gesto delicado da mão ao acariciar o cabelo de um de seus filhos. Há um cuidado desprendido no olhar que se estende até a ponta de seus dedos para cuidar da vida a seus pés. Cuidados de suavidade na mão que acaricia a vida. Cuidados de firmeza na mão que segura a vida.

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Vidas




A criança em seu colo, apoiada sobre seu ventre fértil, como que partilha o olhar da mãe e repete o mesmo movimento. Pode ser que seu olhar seja só um olhar de curiosidade sobre seus irmãos, mas não escapa de mostrar-lhe nem a vida que lhe precede, nem a vida que lhe seguirá ao irromper do ventre materno. 

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Pés no chão




À exceção da mãe, as crianças vão descalças, vão livremente com os pés na terra, como quem anda num mundo que sabe ser todo seu.




Uma delas carrega os sapatos nas mãos, como quem sabe que, à beira do lago, aquele passeio de espera, não irá durar para sempre. Será preciso vestir os calçados novamente e pisar o caminho.




A mãe, contudo, segue calçada, pois a imediatez da vida bate à porta e a mãe, somente a mãe, sabe que a todo momento tem de pisar forte o chão por causa de seus filhos.

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O colo




A menina mais velha traz no colo uma pequena criança. Voltadas para a imensidão das águas, resta-lhes a segurança da presença da mãe. Embora o colo da menina reproduza o porto seguro do colo da mãe, a criança pequena agarra-se aos cabelos e desfia, com esta segurança, as águas do lago.




No colo, as crianças pequenas dão mostras de contentamento e de recusa a sair dali. Trazem os pés ligeiramente encurvados e os dedinhos contorcidos para mostrar que não querem pisar no chão. O colo cala seus medos. O colo cala a separação.




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O encanto do lago




Embora não olhem para fora da tela, somente a mãe e sua criança ao colo não têm as feições voltadas para o lago.




As demais crianças estão arrebatadas pelos encantos do lago. O movimento das águas encanta. O mesmo movimento que leva seu pai num barco é também o mesmo movimento que o traz. É um encanto que abre uma ferida de ausências, quando leva o pai para longe. É um encanto de cura, quando traz de volta o pai para perto.




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Volta pra nós!

Esta forma descritiva de olhar é um esforço de passear pela beleza do quadro. Mas pode ser também uma mentira, narrada com um arranjo de palavras sobrepostas à imagem, atendendo somente a uma das muitas sugestões que este quadro pode nos fazer.

Há uma certeza, capturada pelo olhar da artista Linah Biasi, passados estes anos: não vemos o balseiro. Ele não está em pessoa nesta imagem.




Mas isto já é o suficiente para nos unir ao desejo desta mulher:

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Volta para tua casa, balseiro!
Volta para tua vida.
Volta para as vidas de tua vida.
Há corações à tua espera!
Volta para nós!
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Adriano Lima
Outono Paraisense 2015

2 comentários:

Reynaldo Formaggio disse...

O comentário está à altura da obra caro Adriano. Olhar com olhos e alma de artista, de quem capta a mensagem mesmo que a intenção não seja exatamente aquela mas aquilo que nos toca. Parabéns!

Adriano Lima disse...

Olá Reynaldo, obrigado pela apreciação! Olhar a arte é sempre um esforço de participar dela, pois é sempre sobre a vida que a arte se debruça! Abraço!

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