quinta-feira, agosto 06, 2009

Exposição: “Olhar sem preconceito... retina”

Apresentação: a visão da artista Linah Biasi

“A arte contemporânea e a pintura mantêm entre si uma relação tensa, e não por acaso nos últimos tempos tem-se decretado a morte da pintura de maneira realmente cansativa. As críticas a ela partem de pontos de vista diversos e não seria possível retomá-las todas aqui. No entanto, um dos ARGUMENTOS mais eficazes, ao menos retoricamente, afirma que haveria na produção contemporânea uma tendência a romper as limites que a separariam da vida, dos demais objetos e situações, enquanto a pintura se manteria dentro dos limites da arte tradicional, ligados à superfície, a suportes diferenciados, ao artesanal e à relação contemplativa com o observador.

Essa discussão contém verdades e incompreensões e traz para o debate estímulos e preconceitos.

Preconceito! Mata mais que muitas armas e fere o que temos de mais profundo: nosso sentimento!

O que pretendo alcançar mostrando retratos de pessoas comuns?

Levar o espectador a pensar e rever seus conceitos, sua forma de sentir e olhar as pessoas. O que um olhar e um gesto podem transmitir...

Minha pretensão não chega a ponto de querer reinventar a vida, que é uma das funções da pintura, pois ela já está nas pessoas que retratei e nas que estão apreciando, mas sim tocar a emoção do espectador... Não quero que vejam o grau de dificuldade da técnica. As telas não devem ser decifradas, tem que ser sentidas. Elas não devem falar à nossa inteligência verbal lógica, e sim, mais uma vez, às nossas emoções.

Não estou preocupada se minha arte evoluiu... Não aceito o fato de um cara colocar cocô não sei onde e mandar para uma galeria... A arte contemporânea, na maioria dos casos, não é arte, é expressão.

Que minhas telas, juntamente com a poesia retirada de letras de músicas de consagrados artistas, levem o espectador a mudar sua forma de VER E ENCHERGAR.

Afinal, o que é feio ou bonito? ... Está nos olhos de que vê!”

Linah Biasi - Primavera paraisense de 2007

Na frase de Mário Quintana: o convite ao espectador

“Quem não compreende um olhar,

tampouco compreenderá

uma longa explicação.”

Mário Quintana

Óleo sobre tela - tela de 60x90

Série: “Olhar sem do preconceito... retina” - Hiper-realismo

Na sua série “Olhar sem do preconceito... retina”, a artista Linah Biasi oferece um caminho como proposta de entender com o olhar. Para a artista está clara a grandiloqüência que o olhar possui. No olhar se concentra uma vastidão de sentido que somente o próprio olhar pode ser capaz de compreender. Entender com o olhar significa olhar para além do trivial que pode ser visto a cada piscada e deixar-se ser visto.

As telas da série apresentam um cuidado com a horizontalidade do olhar dos modelos: de qualquer distância, em frente às telas, ou olhando-as pelos lados, os seus personagens nos acompanham em um giro quase de 180º. Olhamos ao mesmo tempo em que somos também olhados. É neste movimento que o nosso olhar pode alcançar a extensão da compreensão. Os olhares dos modelos simulam um movimento que nos contam uma história de começo, meio e fim. Deparar-se com uma das telas desta série é o começo da conversa, sem palavras, apenas de troca de olhares. Daí podemos passar a um bate-papo mais entretido que nos desafia a não piscar. O olhar dos modelos nos fala grande e mansamente, que não nos atrevemos a desviar nosso foco numa piscada que seja. Cada olhar traz em si sua expressão peculiar e carrega um traço de criação, impresso pela artista Linah Biasi. Nesta troca longa e intensa de olhares, nossa conversa encaminha-se para um desfecho: ao olhar a obra ela se imprime em nossa retina, e isto é o que podemos levar da obra conosco, o olhar.

Assim podemos nos aproximar do convite que a artista Linah Biasi quis fazer-nos ao citar Quintana: o “Olhar sem do preconceito” pede ao expectador deixar-se ser visto e deixar-se ser retido na “retina” da obra. Ao tempo que uma imagem da tela se forma na retina de nossos olhos, a troca de olhares com ela nos faz pensar se o mesmo não poderia acontecer com a retina dos modelos que ali são vistos e que nos vêem. Se não compreendermos estes olhares, as tantas emoções não-faladas que cada um deles pode nos trazer, vão nos faltar palavras para uma explicação à beira do impossível, pois estaríamos tentando explicar o que não somos capazes de ver.

Na frase de Gabriel García Márquez: o percurso da série

“É necessário abrir os olhos e perceber

que as coisas boas estão dentro de nós,

onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão.

O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração,

pois a vida está nos olhos de quem sabe ver.”

Gabriel García Márquez

As telas da série “Olhar sem preconceito... retina”, da artista Linah Biasi, têm como modelos pessoas comuns em situações diversificadas ou simplesmente retratam com uma exclusividade quase que total cada um dos modelos. Isto faz com que cada uma das telas, mesmo tendo sido concebidas num conjunto, como um todo, apresentem uma singularidade própria a cada uma. A percepção desta singularidade depende do tempo do olhar.

Cada uma das telas nos faz um convite diferenciado e único: olhá-las debruçadamente sem medo de aproximação. Neste olhar de pertinho, com intimidade e sem pressa, é que podemos captar a vitalidade de cada quadro e descobrir que o que realmente importa na vida é tão simples e tão pouco. Mesmo que a força despendida na conquista destes tesouros seja uma força descomunal, este desgaste é necessário, pois ele é capaz de nos ensinar que o que procuramos nem sempre está tão longe de nós mesmos, tão fora do alcance de nossas vistas. É neste movimento de olhar com intimidade e desapressadamente que os olhares desta série nos ensinam a olhar para nós mesmos, onde nosso maior tesouro pode ser encontrado.

Quando procuramos encontrar a singularidade de cada um dos modelos, retratados nesta série, vamos descobrindo que cada um marca o seu tempo de maneira própria e que a distribuição do motivo realizada pela artista, nas dimensões do quadro, foi capaz de resgatar esta trajetória peculiar de cada um. É o que diz García Márquez, “aproveitar o momento e aprender sua duração”. Há um percurso de vida presente em cada uma das telas e que só pode ser percebido nos olhos de quem vê.

Na grandeza das dimensões dos rostos: a sensação escancarada

“A técnica retórica tradicional de hiper-realismo

é capaz de sensibilizar outros sentidos através da faculdade da visão;

as imagens de outra pessoa em grande proximidade

produzem um efeito tão forte que a impressão visual

estimula a sugestão de tatilidade.”

Oliver Grau

- Arte virtual: da ilusão à imersão

Unesp/Senac, 2007, p. 312.

Óleo sobre tela - tela de 60x90

Série: “Olhar sem do preconceito... retina” - Hiper-realismo

As dimensões trabalhadas pela artista Linah Biasi com cada modelo nesta séria inspiram, inevitavelmente, uma proximidade entre obra e observador. Esta proximidade, nas palavras de Oliver Grau, se concretiza num deslocamento sensacional do tato para a visão: podemos pegar, tocar, apalpar a obra com os nossos olhos.

Esta proximidade escancara para o observador uma possibilidade inusitada e muito além da realidade de seu cotidiano: ele tem a chance de transitar entre uma tela e outra por espaços reduzidos pelo agigantamento das proporções e assim o observador pode perceber com as mãos de seus olhos os contrastes entre textura, volume e emoções que cada tela carrega consigo.

Se é verdade o que popularmente se diz, ser comum aos mineiros, ou a todos nós, ver com as mãos, esta exposição está feita sob medida: nosso desejo de tocar foi satisfeito por este agrandamento das proporções dos motivos nas telas, capaz de diminuir a distância ente a obra e o nosso tato-visual.

Esta proximidade com as telas pode mergulhar o olhar do observador num intenso mar de sensações se ele, por sua vez, deixar-se tocar, deixar agigantar as suas proporções sem qualquer preconceito. Este é o prêmio e a prova desta série da artista Linah Biasi: podemos fazer uma experiência de profundo encontro com emoções várias, escancaradas em cada tela, mas o preço a ser pago é a despir-se dos preconceitos enraizados em nosso olhar. Somente desta forma é que poderemos ser capazes de perceber e sentir as emoções que as telas despertam e inspiram em nós sem, em momento algum, preconcebê-las.

Na temática da série: a dinâmica do olhar através do olhar

Um pequeno passeio diante das telas da série “Olhar sem preconceito... retina”, da artista Linah Biasi, pode ser capaz de fazer-nos adquirir uma dinâmica inesperada ao apreciar a obra de arte: como estamos também diante de olhares que nos olham, nosso olhar nos leva a espelhar-nos no olhar da obra. Trata-se de um embate de retina contra retina, como se nos encontrássemos diante do espelho, olhando a nós mesmos.

Este efeito, num primeiro momento, pode ser percebido pela horizontalidade na qual os olhos dos modelos foram pintados. Temos a sensação de estarmos sendo vistos. Mas, num segundo momento, quando nos despojamos de preconceitos com relação ao que nossos olhos encontram diante de si, estamos livres para olhar através do olhar da obra e tentar ver o mundo como ela vê, a partir de outro ponto de vista.

Assumir a perspectiva do olhar de cada obra desta série pede de nós um despojamento do nosso status de observadores e a coragem de mergulhar no olhar que olhamos. Sim, mergulhar no olhar que olhamos! Como fazemos diante do espelho, também podemos nos perguntar diante de cada tela: este sorriso não poderia também ser meu sorriso? Esta tranqüilidade não poderia ser a minha? Esta simplicidade, esta pureza, este encanto não seriam também meus? E, por fim, a pergunta da descoberta maior: este olhar, não seria o meu olhar?

Adriano Lima - Primavera paraisense de 2007

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