quinta-feira, agosto 06, 2009

Uma história em traços, tintas e rabiscos


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“Singrar os mares das tintas,
aportando sempre em estilos diferentes de pintar,
é a maior travessia que qualquer artista pode efetuar”.
Linah Biasi

Assim define Linah Biasi sua trajetória como artista plástica. A infinidade de caminhos que as cores abrem e as inúmeras possibilidades de trilhá-los, lança o artista na inesgotável viagem no mar da criação. O artista está sempre às rédeas do infinito enquanto singra este mar entre traços, tintas e rabiscos. Sua travessia expõe ao olho desapercebido, preso à margem do finito, o horizonte que descortina esta realidade para além do que os olhos podem alcançar.

Traços de sua personalidade artística



Óleo sobre tela - tela de 60x90 cm
Série: Um olhar além do ovo - Hiper-realismo

Em seu trabalho, a artista Linah Biasi diz ter uma preocupação em especial com a luz. Ela dá valor à luz como o ressurgimento da escuridão. Esta experiência só pode ser sentida “a partir da experiência das trevas”. É preciso estar atento, olhos abertos para perceber a dança suave entre luz e sombra.

É neste sentido que a artista valoriza o papel da visão. Em seus trabalhos, estimular os sentidos é o caminho de diálogo entre o observador e obra de arte. Sem estimular os sentidos não há como entrelaçar o observador nesta aventura de perceber o tênue bailar das cores e temas explorados em cada obra.

Além de valorizar a visão, Linah Biasi se considera uma “amante do silêncio”. Quando está trabalhando em seu atelier, há sempre uma música para acompanhar o trabalho. Geralmente esta música, escolhida a dedo em seu esmerado acervo, é tocada num volume bastante alto. Mesmo tento uma audição seletiva, ela facilmente se desliga do mundo quando está pintando. “Ao ouvir música tenho que pôr o volume mais alto, pois me concentro fortemente na obra que estou pintando e quase me desligo de tudo mais”.

É ainda peculiar em sua personalidade artística sua maneira de olhar o mundo a sua volta. Ela se impressiona com a diversidade do feitio das expressões faciais da multidão deste país. De modo especial, são sempre percebidos como o ponto mais expressivo em cada rosto. Conta que, estando em alguns países da Europa, esta diversidade não é tão sentida. Observar a multidão no Brasil é quase uma experiência anatômica feita com os olhos. É como estar diante de uma imensa enciclopédia viva, que registra as mais variadas e possíveis combinações de feições das raças e do povo brasileiro.

Tintas nos pincéis, nas telas e nas mãos


O nome artístico Linah Biasi foi escolhido a partir de seu ambiente familiar. Do seu nome Pascoalina, veio Linah, a forma carinhosa de ser chamada pelos seus. E Biasi veio do nome de sua avó.

Linah Biasi começou a “singrar os mares das tintas” estimulada pela presença de sua tia Cecília Coelho Carreras, laureada artista em São Sebastião do Paraíso. Linah conta que, no início, sua tia resistiu ao seu interesse pela pintura. Mas depois da insistência e da condição de conseguir mais duas colegas para as aulas, Linah conseguiu começar a pintar, com a idade de nove anos.

Para suas primeiras aulas, ela não tinha material próprio e tinha que usar o material de sua tia. Sob a paleta da tia, Linah Biasi deu inicio a sua aventura no mar das tintas e, com doze anos de idade, começa a pintar sozinha. Nas voltas futuras de sua vida, Linah também teve a possibilidade de ensinar os velejos da arte a seus sobrinhos.

Com toda sua experiência como artista plástica, Linah Biasi conta que “nunca viu nem a tia nem outro artista pintando”. Este é um sonho realizar. O primeiro atelier a conhecer foi o do Sr. David, em Guaranésia - MG, que pinta flores.

A experiência com a tia, a decisão e persistência em pintar sozinha e este distanciamento de uma aprendizagem da arte a partir do modelo de outro artista pintando, seguramente ensinou Linah Biasi a empreender seu dom, sua carreira e sua profissão como autodidata. Isto nos permite dizer que, para Linah, “singrar os mares das tintas” é uma tarefa que é antes vivida e sentida na solidão do espaço de criação do artista-navegador, para depois ser compartida com o observador, tripulante ou não.

Quando indagada sobre o que é mais fácil e difícil na arte, Linah Biasi diz que “a inspiração dita o que é fácil ou difícil”. O artista está à mercê de sua inspiração. Linah diz ainda que para pintar, preparar o “campo cirúrgico” é fundamental. É imperioso para ela dispor seu local de trabalho de forma cuidadosa e detalhada. Observar a iluminação, posicionar as tintas e pincéis, deixar o telefone em local estratégico, selecionar a música. Em sua dinâmica de trabalho estes detalhes requerem precisão cirúrgica.

O ambiente bem disposto ajuda a artista a desvencilhar-se de quaisquer barreiras, por mínimas que sejam, para mergulhar no oceano de seu trabalho. A cada jornada de trabalho, somente limpar pincéis é chato!

Em sua trajetória, Linah Biasi tem se dedicado muito a fazer trabalhos por encomenda. Este tipo de trabalho lhe garante uma forma de remuneração. Contudo, para ela, é um trabalho difícil. São trabalhos direcionados ao deleite quase exclusivo de quem o encomendou. Não são trabalhos que permitem extravasar seu espírito de artista e criar a partir de sua inspiração.

Fazendo um giro completo ao redor de sua produção artística, Linah Biasi não se sente paisagista. Apesar de ter uma afeição especial em fazer flores, não se sente contente com as flores que faz.

Rabiscos do pensamento


Sobre a produção contemporânea, Linah vê pouca produção com figuras humanas. Ela pensa que isto se deve ao fato do “homem estar fugindo do homem”, ou por ser o retrato o gênero mais difícil de ser pintado. A arte moderna tem tomado terreno, por isto ao rosto saiu de moda das telas, comenta.

Seu mais recente trabalho é o que ela chama de “produção para o seu próprio deleite”. Trata-se de trabalhos realizados na perspectiva do hiper-realismo. É um desfio novo na sua carreira e um trabalho encomendado exclusivamente pela sua alma de artista. Linah diz que há muito tempo queria iniciar o trabalho com o hiper-realismo, pois até então havia feito trabalhos para o deleite dos outros, por encomendas.

Nesta primeira série de trabalho, a artista se debruça sobre a temática “Um olhar além do ovo”. Sua tentativa é explorar os meandros da presença cotidiana de ovos e outros objetos inspiradores nos lugares e formas mais rotineiros, muitas vezes desapercebidos pelo olhar estritamente utilitarista e consumidor. Este tipo de trabalho é inédito em sua obra, o que seguramente exige mais de sua capacidade técnica e aguça o empreendimento de seu espírito artístico.

Como seu espírito criador se mede pela imensidão do mar que navega, Linah tem em mente a idéia de uma próxima série de trabalhos dentro do hiper-realismo. A temática será sobre rostos e possivelmente se chamará “Feições do mundo inteiro”.

Em toda sua trajetória como artista plástica a obra que considera mais importante é “A mulher do Balseiro”, feita na adolescência em 1978. Trata-se de um óleo sobre tela de 40x30 cm, que retrata uma mulher grávida, segurando uma criança no colo, acariciando uma outra em pé à sua frente, com mais outras ao seu redor.

"A mulher do Balseiro"
Óleo sobre tela - tela de 40x30 cm
Adriano Lima
Escrito na primavera paraisense de 2005

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